Das salvaguardas, das cotas e...o resto
Neste momento estamos assistindo a turbulências nada saudáveis para o ambiente do vinho no Brasil, por causa de um pedido encaminhado pelo IBRAVIN ao governo, solicitando cotas de importação para o vinho procedente de outros países, numa atrapalhada ideia de proteção para a indústria vitivinicola nacional que levantou a ira e a reação dos importadores.
A reação indignada de parte dos enófilos tomou forma através de um boicote aos vinhos brasileiros, por parte de consumidores também brasileiros, numa atitude que, se de um lado pode ser lida como uma reação em nome do mercado livre chega a soar estranha, por se tratar de uma iniciativa contrária aos interesses de setores da própria economia nacional, porem o Brasil e' um país de dimensões continentais e certas situações cabem também em sua peculiaridade e contribuem para sua incomparável riqueza cultural.
Mesmo assim gostaria de fazer certas considerações, a partir de uma experiência pessoal.
Sou italiano, piemontês, contando hoje 46 anos de idade, a minha aproximação ao mundo do vinho ocorreu exatamente há 38 anos, quando era pratica comum da minha família plantar e colher uvas para fazer o vinho que ia ser consumido ao longo do ano, na pequena propriedade de minha avó.
Lembro ainda da festa que era no domingo de vindima, quando toda a família, desde os mais próximos ate os primos em terceiro grau, apareciam para ajudar e ganhar assim o direito a uma cota do vinho que meu pai fermentava e afinava em 3 barris de carvalho na adega da chácara.
Os tempos se passaram e, depois de algumas perdas que marcaram o caminho de minha família, me reaproximei do vinho no começo da década de 80, desta vez como consumidor jovem, porém consciente.
Com então pouco mais de 18 anos me lembro de que o cenário era dominado por terríveis Barberas que tinham na adstringência e na acidez elevada a principal conotação.
Era praticamente um desafio para qualquer um beber desses vinhos sem um adequado acompanhamento, de preferência queijos e salames típicos da região, do contrário não descia, secava a boca e empastava a língua e a voz.
Então algumas coisas aconteceram, os produtores, talvez cansados de serem comparados de forma pejorativa aos vizinhos franceses, já esnobes naquela época, começaram a virar o jogo, lentamente, começando pelos principais e mais fortes economicamente (um sobre todos: Giacomo Bologna, vulgo Braida, um marco na enologia da província de Asti, autor, não produtor, do celebre Bricco dell'Uccellone), perceberam que o caminho não era forçar os piemonteses a tomar vinho ruim, mas sim oferecer produto de uma qualidade melhor, com um mais acurado trabalho no vinhedo, uma melhor higiene na vinícola, uma renovação dos barris e a adoção, em algum caso, das barricas francesas, além de um cuidado especial na hora de escolher rótulos e garrafas, visando um up-grade visual em seus vinhos para torná-los mais apresentáveis ao mercado.
E não e' que deu certo? Hoje Barbera de grife ganha barrica francesa para descansar e medalhas de ouro para se enfeitar, alem de render ricos dividendos para seu criador; 90 pontos em revistas virou rotina para certos exemplares.
Não somente isso, seguindo o exemplo da Barbera eis que um outro grande menosprezado piemontês, eterno desclassificado como o típico "vinho de merenda" como se não soubesse ir alem de coadjuvante para pão com queijo e salame, o querido Dolcetto, seguiu a mesma trilha e hoje resplandece de sua nova fama e de suas recentes conquistas, como as DOCG; simplesmente impensável até 25 anos atrás.
Mas para que isso se tornasse possível foi preciso que os astros propiciassem dois acontecimentos, de um lado foi necessária a vontade e o empenho dos produtores para investir na qualidade de seus vinhedos e nos avanços tecnológicos nas vinícolas e, do outro lado, os consumidores acreditaram na realização desse milagre piemontês, comprando e consumindo os Barbera e Dolcetto malditos até tornar possível a mudança radical que esta hoje sob as vistas do mundo todo.
Voltamos a nos então, ao Brasil neste Abril de 2012, que tanta discórdia esta experimentando entre seus enófilos, onde será que nos, cada um de nos, pode se inspirar na história de sucesso que contei acima?
Os consumidores brasileiros estão dispostos a apoiar seus próprios viticultores, comprando seus vinhos até estes alcançar uma qualidade que, diga-se de passagem, esta crescendo diariamente?
Os produtores sabem comunicar e divulgar seus vinhos com paciência para uma plateia de enófilos iniciantes que, embora brasileiros, estão localizados mediamente longe das áreas de produção e, talvez por isso, tem mais facilidade de provar e conhecer vinhos de outros países do que os produzidos em sua própria nação; saberão os produtores se unir para encontrar a forma adequada de interagir com o publico consumidor?
Estes são os desafios, a meu ver, e não serão resolvidos com salvaguardas e cotas de um lado, nem muito menos com atitudes drásticas como boicote aos produtos brasileiros, medida que pune com antecedência por algo que ainda está por vir (talvez!!!) e prejudicando desde já uma categoria, não os produtores apenas, mas todos aqueles profissionais, desde os agricultores até os sommeliers, os vendedores, os demostradores e demais trabalhadores que do vinho tiram o sustento e o de suas famílias.
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