Escrever sobre o Uruguai significa falar de um pais interessante, de pessoas discretas, mais sóbrias e formais que os espontâneos e barulhentos vizinhos brasileiros, mas também mais ponderados que os argentinos, com os quais dividem as águas do “Rio de La Plata”, em cuja foz se debruçam as capitais dos dois países.
Buenos Aires, em origem “Nuestra Señora Santa Maria de Los Buenos Aires”, terceiro maior aglomerado urbano da America Latina e Capital Federal da Republica Argentina fica encaixada, reparadas das brisas, no lado interno Sudoeste do grande rio, a olhar atravessada uma cidade muito menor, na foz, debruçada a Nordeste, quase a peitar as refrescantes brisas do Atlântico Sul, a cidade de “San Felipe y Santiago de Montevidéu”, como em origem foi batizada a capital do Uruguai, a menor nação do Cone Sul da America Latina, aquela parte do continente que, por motivos enológicos, nos interessa e da qual queremos falar nestas linhas.
O Uruguai é situado entre o 30º e o 35º paralelo Sul, numa faixa climática de bom potencial vitivinicola, conta uma população de 3,5 milhões de habitantes que consomem 29 litros por ano de vinho per capita.
A população é de origem e cultura europeia dominante, italiana, espanhola e francesa, estes últimos caso raro na America do Sul, mas certamente importante do ponto de vista do desenvolvimento enológico.
Vitivinicultura em Uruguai é sinônimo de um varietal não muito conhecido no mundo, mas que neste país, do clima fortemente influenciado pelas frescas e úmidas brisas que sopram do Oceano Atlântico, encontrou seu ambiente natural; rstamos falando do Tannat, que no Uruguai da vida a importantes vinhos tintos.
O Tannat é originário da região do Sudoeste Frances, mais precisamente da região do “Madiran”, nos Altos Pirineus, onde produz um vinho não muito atraente, tânico, duro, que raramente é vinificado em pureza, justamente a causa da elevada tanicidade que o transforma em vinho para pouco apreciadores.
Quem o levou até o Uruguai foi, em 1870, o imigrante basco Frances, Don Pascual Harriague, que deu o começo a um capitulo novo no cultivo da videira neste pais, que já produzia uva e vinho há cerca de cem anos.
Para entender a produção uruguaia temos antes de tudo que considerar que é relativamente pequeno, quando comparada à da vizinha Argentina, o maior produtor do Cone Sul da America, seguida de Chile e, em terceiro lugar, do Brasil; trata-se porem de uma produção muito bem direcionada, mais de 90% fica concentrada no vinho de qualidade, denominado “Vinho de Calidad Preferente” – VCP (Vinho de Qualidade Preferencial), que tem origem em clones selecionados e submetidos à fiscalização do “INAVI” (Instituto Nacional de Vitivinicultura).
Que nem no Brasil, no Uruguai também boa parte das Bodegas são de famílias de origem italiana, como nos dizem seus sobrenomes, entre outros: Bodegas Cesar Pisano e Hijos, Pizzorno Family Estate e Antigua Bodega Stagnari mas, a diferença do Brasil, existe uma forte influencia basco – francesa que reflete talvez no caráter bastante reservado dos vinhateiros destas terras.
Mas voltamos ao Tannat, antes de tudo é o varietal que o Uruguai adotou como símbolo de sua produção, cobre mais de um terço da superfície cultivada a parreiras e da um vinho tinto de cor muito intensa, de caráter tipicamente gastronômico, austero e forte, companhia excepcional para o prato tradicional uruguaio, a carne na “Parrilla”, aquela grelha típica que tem suas origens nos hábitos alimentares dos “Gauchos”, antigos cavaleiros folclóricos que andavam por estas bandas entre o Rio de La Plata, as Pampas Argentinas, a Campanha gaucha e, obviamente, todo o Uruguai.
O Tannat da origem a um vinho muito rico em substancias antioxidantes, antocianinas e taninos , isso exalta suas propriedades saudáveis na prevenção à problemas cardíacos, arteriais e na luta contra o colesterol.
O ambiente em que o Tannat se desenvolve no Uruguai é dominado por alguns fatores determinantes: a conformação geográfica, sobre tudo plana, com leves ondulações que não facilitam o desenvolvimento de microclimas; o solo, geralmente de caráter argiloso e o clima, frequentemente chuvoso e úmido.
A amplitude térmica, fator crítico pela qualidade da uva no processo de maturação, que em outras regiões da America do Sul, Chile e Argentina sobretudo, conta com a proximidade da Cordilheira dos Andes, em Uruguai é garantida pelos ventos frios que sopram a partir do Atlântico Sul, diretamente da Antártida.
A combinação destas variantes climáticas permite aos vinhos uruguaios,de atingir um interessante equilíbrio entre o frutado e a acidez, com um teor alcoólico não excessivo (sobretudo quando comparado a muitos vinhos argentinos e chilenos que superam facilmente os 14,5º e mesmo além), características que, com um pouco de boa vontade e certa dose de otimismo, podem nos fazer pensar a certos exemplares da Nova Zelândia.
A principal região vitivinicola é também a mais extensa, Canelones, situada como um cinto ao redor da capital Montevidéu, no litoral; conta com um índice pluviométrico bastante elevado, acima de 1.000ml/ano, fato que parece não preocupar o Tannat, que não padece com o excesso de chuva, desde que obviamente não caiam durante a vindima, entre os meses de fevereiro e março.
É regra comum em Uruguai, entre os bons produtores, afinar os tintos em barrica, indispensável no caso do Tannat, para domar seus possantes taninos. Vemos portanto que, alem das peculiares características pedo-climaticas que fazem do Uruguai a Terra prometida do Tannat, as Bodegas tratam com muito cuidado e respeito este varietal, com vinificações modernas e afinamentos em madeira de qualidade, conseguindo assim um vinho encorpado, mas também elegante, complexo e dotado de identidade própria, geralmente melhor que o original Madiran.
Atualmente o Uruguai está descobrindo a vocação para a exportação; a reconversão dos vinhedos para a viticultura de precisão e o elevado investimento em novas tecnologias, que caracterizaram o esforço dos principais produtores nos últimos vente anos, estão reposicionando o Uruguai como produtor de vinhos de nicho de mercado, com uma tipicidade toda a ser descoberta, filha de um terroir característico, exótico e muito interessante para os amantes das novidades, com preços acessíveis.
Além do Tannat se plantam, embora em escala menor, outras variedades internacionais, como os Cabernet, Franc e, sobretudo, Sauvignon, o Merlot, muito usado em corte com o Tannat para “arredondar” os exemplares mais rebeldes e, no que diz respeito a pequena produção de brancos, as sempre presentes Chardonnay e Sauvignon Blanc.
Por tudo isso que vimos até aqui podemos dizer que estamos perfeitamente em sintonia com o que afirmam Hug Johnson e Jancis Robinson, autores da bíblia dos enófilos, The World Atlas of Wine, quando dizem que não é exatamente o Uruguai que escolheu o Tannat como varietal ícone de seu país, mas que muito mais provavelmente, tenha sido o Tannat que elegeu estas planícies varridas pelas brisas da Antártida e esquentada pelo sol do Sul como a terra ideal para crescer e oferecer vinhos de grande interesse e ótima qualidade.
Esta matéria saiu na edição de Março - Abril da revista Il Sommelier, veja a revista no link:
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