Com a frase acima, de autoria de Rabelais, quero começar uma série de post que pretendem abordar o vinho de uma maneira mais ampla que apenas uma simples bebida, trazendo para o debate o aspecto cultural e também a questão, sempre mal interpretada, do vinho como bebida alcoólica, passando pelos inegáveis beneficios a saúde que o consumo moderado traz para o ser humano.
Vamos então examinarmos a questão da sede, ou seja qual sede nos leva a ação,ou a ideia, de tomar vinho?
Se observarmos um pouco, constataremos que se tem o habito de beber depois da ultima garfada de um prato e quando se passa de um prato para outro, quando se muda de sabor, trata-se portanto de obedecer a uma especie de necessidade física, a de enxaguar a boca.
Mas a sede não é apenas uma necessidade , também é satisfação de um prazer, muito próxima da sensação agradável do toque de um liquido, ou seja, ao prazer de refrescar a boca e a garganta, acrescenta-se o prazer da deglutição, com o liquido que desce pela garganta nos proporcionando as sensações deliciosas de sabor e aroma. Essa sede refinada não se satisfaz com a ingestão de um liquido qualquer, buscam-se as sensações do gosto.
Por isso tem momento em que se quer tomar algo, mas não qualquer coisa, apenas para saciar a sede, procuramos então uma bebida mais atraente que a água pura.
Então bebe-se para satisfazer esse desejo, meio inútil, meio artificial, na busca de um prazer, não apenas para obedecer uma necessidade natural. Émile Peynaud, em sua obra "O gosto do vinho" classifica isso como sede "de luxo", identificando-a como a sede de vinho.
Temos então que a vocação do vinho é satisfazer a sede alimentar, é dessa maneira que ele foi, e é, bebido pelos povos da vinha, nas refeições, para acompanhar os alimentos, como uma guloseima, um condimento liquido, enfim, um complemento alimentar.
Não se bebe vinho por necessidade, mas por satisfação; é o companheiro indispensável de toda gastronomia; em nossa opinião (um pouco parcial, na verdade) não há verdadeira gastronomia sem o gosto e a participação do vinho.
Os grandes vinhos foram pensado primeiro e produzidos depois para serem bebidos com a comida. Seja o frescor da acidez dos brancos, ou a tanicidade dos tintos, seus aromas e buquês harmonizam e se agigantam na presença da comida; devemos então concluir que a degustação à mesa realça o duplo prazer de comer e beber.
VINHO E ÁLCOOL.
Desde sempre, mas sobretudo nesses tempos em que alguns (ex?) alcoólicos arrependidos querem generalizar seus fracassos pessoais "confundindo" o uso com o abuso, é imperativo esclarecer de uma vez esse tema.
O vinho contém álcool, podendo ser prejudicial a saúde, como outras bebidas, conforme a dose; pesquisas no âmbito sanitário de vários países não mostram nenhuma relação entre consumo regular de vinho e doenças e mortalidade, pelo contrário, observa-se uma relação inversa entre o consumo de vinho e a má saúde.
Será nosso cuidado abordar, num próximo post, as relações entre vinho, resveratrol e outras substancias que ele contem e a saúde humana, de forma mais detalhada.
VINHO É COMPLEMENTO ALIMENTAR...OU É ALIMENTO?
Como informação, constatamos que o vinho é uma fonte de caloria, da ordem de 600 a 800 kcal por litro para os vinhos secos, mais para os vinhos que contem açúcar.
Esse efeito calórico é real no caso de consumo espaçado permitindo um metabolismo completo, ao passo que se torna negativo em caso de consumo não espaçado, quando se bebe sem degustar.
A tal proposito é licito lembrar que, e posso dar o meu depoimento pessoal nesse caso, a degustação atenta do vinho, é receita garantida no combate ao exagero e a alcoolemia excessiva, a partir do momento que um bebedor de vinho se torna degustador atento, o consumo cai consideravelmente, busca-se o conhecimento de cada detalhe do vinho que está na taça, isso é incompatível com a atitude de "virar" o copo.
Vejam na tabela abaixo o valor energético dos constituintes do vinho
| KCAL/G | TEORES (G/L) | KCAL/L |
ETANOL | 7 | 80-100 | 560-700 |
GLICIDIOS | 4 | Traços – 80/100 | 0-400 |
POLIOIS | 2,4 | 0,5-10 | 1,2-200 |
ACIDOS ORGANICOS | 3 | 2-8 | 6-24 |
PROTEINAS | 4 | 0,5-2 | 2-8 |
LIPIDIOS | 9 | Traços | Traços |
FIBRAS | 0 | traços | Traços |
Se considerarmos alimento tudo aquilo que nos traz calorias, proteínas ou algum tipo de substancia energetica, independente de ser liquido ou solido (o suco de fruta e as vitaminas, justamente considerados alimentos, também são líquidos), a resposta acima, com certeza é sim, o vinho é um alimento.
Para concluir lembramos que há alguns milênios o vinho desempenha múltiplas funções, desde elemento de convívio, complemento alimentar, simbolo de riqueza e notoriedade além de antisséptico para tratar de ferimentos, a cosmético e, sobretudo no Brasil, precioso suporte fiscal para a insaciável fome tributaria dos governos que nos administram.
Para os povos mediterrâneos o vinho tem grande valor cultural representando tanto quanto, ou até mais que o chocolate na extinta cultura azteca, a folha de coca na cultura andina, o betel indiano, o chá no Oriente.
Lembramos que a primeira ordem de Deus para Noé, uma vez que o diluvio havia acabado, foi de sair da arca e plantar um vinhedo, não um campo de trigo, ou um milharal; isso está na Bíblia.
Fonte: Emile Peinaud e Jacques Blouin "O gosto do Vinho". Revista Adega. Uvibra
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