quinta-feira, 31 de março de 2011

O preço do vinho brasileiro 2

Num post de algumas semanas atras, falei sobre o preço do vinho brasileiro, na época quis chamar atenção para o problema da elevada tributação de nossos vinhos versus os de outros países produtores nossos vizinhos como Chile e Argentina.
Gostaria agora de ir um pouco mais fundo na questão, abordando o aspecto da produção, não menos complexo, mas de importância fundamental para entender como as coisas funcionam.
Podemos começar dizendo que o nosso mais ilustre vizinho, em termos de qualidade, o Chile, começou a despontar no panorama enológico mundial aproximadamente no fim da década de 80 quando famosos produtores franceses, do calibre de Rothschild (tanto Mouton como Lafite) e californianos como Mondavi, identificaram no excepcional "Terroir" do Chile a possibilidade de produzir vinhos de alta qualidade, a partir dai deram inicio a bem sucedidas parcerias com produtores chilenos, para lançar vinhos cada vez melhores em condições de ganhar mercado pela qualidade num mundo sedento de novidade e de melhores preços.
Precisamos saber que a Mãe Natureza foi extremamente generosa com o terroir do Chile, delimitado ao Leste pelos picos da Cordilheira dos Andes e ao Oeste pelo Oceano Pacifico, reúne excelentes condições microclimaticas, as quais acrescentamos a ausência quase completa de pragas naturais que torna relativamente menos complicado o exercício da vitivinicultura.
Nesse cenário foi possível destinar o fundo dos vales chilenos para uma produção voltada para quantidade, com colheita mecanizada e rendimento elevado, visando vinhos comerciais (toda grande vinícola chilena, mesmo as que produzem os grandes ícones como Kai, Don Maximiano, Caminante, Don Melchor etc. de mais de 90 pontos, vendem também os vinhos de prateleiras de R$ 15,00 ou menos).
Ao mesmo tempo as encostas dos morros, foram exaustivamente pesquisadas para produções de nicho de vinhos de alta qualidade, na busca do terroir melhor para o melhor vinho, com produções muito limitadas.
Alguns anos depois do boom do Chile chegou a vez de nossos hermanos argentinos.
Na década de 90, em ocasião da euforia da nova economia Argentina de igualdade 1,00Peso = 1,00U$, Mendoza começou a despertar o interesse estrangeiro, por ser uma região que, embora geograficamente muito diferente do Chile, goza de vários privilégios concedidos pela Mãe Natureza.
Em lugares de vales com microclimas diferentes, Mendoza conta com um altiplano extremamente seco, onde a chuva e' raridade e quase nula em época de colheita, possibilitando a completa maturação das uvas, alem das condições climáticas de excursão térmica entre dia e noite que a altitude (freqüentemente acima de 1000 metros) proporciona.
A diferença principal entre o que aconteceu antes no Chile e depois na Argentina, reside no fato que os chilenos, de forma geral, fizeram parcerias com as vinícolas francesas etc, onde estes entraram com o know-how e os chilenos com o terroir; enquanto os argentinos, para resolver logo o problema, preferiram vender suas vinícolas para os investidores estrangeiros (hoje na Argentina existem poucas vinícolas que sejam de propriedade de argentinos, as mais famosas Catena e Zuccardi, colossos como Trapiche, Norton, Finca Flichman, Finca Lá Célia, Etchart, Graffigna e Alta Vista pertencem a estrangeiros), deixando-os livre de investir e crescer.
Enquanto isso amadurecia nos países vizinhos, na Serra Gaúcha resistiam duas tendências paralelas que ate' hoje dividem os vitivinicultores, de um lado temos vinícolas que querem produzir vinhos finos, de qualidade, buscando os parâmetros internacionais como a baixa produção e o cuidado extremo.
Do outro lado, temos viticultores que, perfeitamente satisfeitos com o elevado rendimento de suas latadas de videiras híbridas e americanas, do alto de uma produtividade de 40 ton. por hectare, não tem o menor estímulo em trocar suas plantações por Vitis viniferas que, na Serra Gaúcha, significa muito trabalho e luta contra as pragas, alto risco de chuva na epoca da colheita, baixa produção, não mais de 10/12 ton. por hectare, por um preço de uva que, na ultima colheita, dificilmente supera R$/kg 1,70 (a uva americana e' cotada em torno de R$/kg 0,80, mas produz 40 toneladas, contra os 10/12 da vinifera, quem sabe de matemática...) para desestimular ainda mais a mudança assistimos hoje ao boom comercial do suco de uva integral, inteiramente produzido com uvas americanas uma bebidas muito saborosa e saudável que acredito exista somente no Brasil, com certeza não existe na Italia.
Por isso temos hoje ate uma certa dificuldade dos produtores de vinho fino a encontrar uva de qualidade em quantidade suficiente, dai a decisão de alguns, como Casa Valduga, Boscato, Fabian, Argenta, Lídio Carraro, Dom Laurindo, entre outros, de produzir vinhos de vinhedos próprios, buscando qualidade com uma proposta ambiciosa sim, mas fruto de um cenário muito peculiar que nao deixa muito margem de manobra.
Ao mesmo tempo aqueles produtores voltados para uma produção de vinho fino em larga escala, como Miolo, precisam buscar novas regiões, como a Campanha ou o Nordeste, para garantir a matéria prima de qualidade na quantidade que precisam, enquanto seus vinhedos no homônimo Vale, produzem uvas para seus ícones como Lote 43, RAR etc.

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