domingo, 23 de janeiro de 2011

VINHOS DE MONTANHA – VALLE D’AOSTA

VINHOS DE MONTANHA  – VALLE D’AOSTA

Sempre gosto de pesquisar e conhecer vinhos novos e alternativos, que estimulem a curiosidade por algum motivo e que sejam diferentes dos produzidos nas regiões mais conhecidas, não que tenha dado para cansar de tomar Bordeaux ou Barolo, minhas finanças não me permitem exageros enológicos com tamanha freqüência para justificar a saturação.
Por isso vou falar da Valle d’Aosta, no extremo Noroeste da Italia, região pela qual tenho um carinho especial, muito próxima da minha terra natal.

O Vale se estende seguindo o curso do Rio Dora, até a divisa com o Piemonte, no município de Carema, também terra de um grande Nebbiolo, que recebe o mesmo nome da cidade.
Ao lado da Dora se erguem altas montanhas, que se abrem em vales tortuosos, abertos pelos afluentes da Dora, onde a vida se desenvolve em um eterno compromisso entre o que o homem quer fazer e o que a terra e o clima permitem.

Entre cortando o rio existe uma moderna auto-estrada para os que precisam chegar logo até a cidade de Aosta, fundada pelos romanos e capital da região, ou até a França, através do famoso túnel que se abre nas entranhas do Monte Bianco; mas também corre uma estrada provincial, que atravessa todas as cidades e vilarejos e se desenrola ao lado da antiga estrada romana, onde passaram as legiões de Julio Cesar ao invadirem a Gallia, mais de vinte séculos atrás.

É esse o nosso caminho, ladeado de vinhedos que apresentam um espetáculo muito diferente daquele comum as demais regiões vinícolas do mundo; em lugar das ordenadas e disciplinadas fileiras, as encostas extremamente íngremes do vale são divididas em terraças, uma sobre a outra, como uma grande arquibancada que algum gigante utilize como escada para chegar ao topo da montanha.


Nessas terraças são plantadas as videiras, em latada baixa, num interessante exemplo de  luta obstinada que obriga o homem a disputar espaço com a rocha, palmo a palmo, para plantar alguns poucos pés a mais .
Essa é a paisagem que se ergue na vertente orientada ao Sul (estamos no hemisfério Norte), para aproveitar até a última hora de luz, o calor dos raios solares, que em alguns vinhedos, nas encostas mais íngremes, beijam diretamente as bagas das uvas com um ângulo de 90°.

As videiras são plantadas a uma altura de no máximo 50 cm. do solo, para protegê-las do vento forte que, freqüentemente, sopra com intensidade descendo o vale como fosse num gigantesco túnel. Outro motivo dessa inusitada condução é a elevada excursão térmica; durante o dia, o solo pedregoso e as colunas de pedra erguidas ao longo dos vinhedos, armazenam o calor do sol e o devolvem para as videiras nas noites geladas e ventosas do Vale d’Aosta.


Devido ao clima peculiar dessa região e ao frio intenso, o tratamento das pragas das videiras é relativamente fácil, existem muitos vinhedos plantados em pé franco, nesse clima nem a terrível philoxera vastatrix conseguiu se expandir, isso vale também para as variedades internacionais, que, segundo alguns registros da época nos informam, teriam chegado ao vale por volta de 1600, trazido por colonos suíços, que aqui vieram para repovoar o Vale após uma terrível praga que dizimou os habitantes.

Aqui os vinhedos se erguem a partir de 400 m. de altitude na parte baixa, até os 1.225 m. do município de Morgex, nas encostas do Monte Bianco, onde se encontram os vinhedos mais altos da Europa.
A escassez das chuvas e a já citada excursão térmica no período da maturação das uvas, acentuam a intensidade dos perfumes dos vinhos valdostanos e aportam uma tipicidade única para esses vinhos de terroir único e raro.


Para entender melhor a entidade do quebra cabeça representado pela vitivinicultura nessa região vejam alguns dados:

O Valle d’Aosta é uma das menores regiões vinícolas italianas com apenas 600 hectares plantados (Para se ter uma idéia é mais ou menos a mesma extensão dos vinhedos de Catena Zapata em Mendoza, ou da Viña Tarapacá no Chile, já a vinícola Aurora, na Serra Gaúcha, possui algo em torno de 1.400 hectares por uma produção de cerca de 70 milhões de litros/ano).

A superfície plantada média por empresa cadastrada não passa de 0,25 hectares; e a produção é pouco mais de 1,7 milhões de garrafas, divididas em vinhos de mesa e vinhos a Denominação de Origem Controladas Valle d’Aosta DOC que, por sua vez, se divide em nove sub-regiões dependendo do vilarejo de procedência... isso é que se chama de vinho de terroir.

Com umas propriedades fragmentadas desse jeito a solução natural, comum aos povos de montanha, acostumados a se unir para enfrentar as adversidades ao longo dos séculos, foi formar cooperativas; hoje existem seis associações desse tipo no vale, além do Instituto Agrícola Regional, aos quais precisamos acrescentar 35 pequenos viticultores representados pela associação Viticulteurs Encaveurs Vallée d’Aoste.

As variedades plantadas são as autóctones, rigorosamente preservadas e vinificadas segundo uma tradição muito antiga, e alguns varietais internacionais:

VARIEDADES AUTOCTONES:

- TINTOS: Fumin (10 Hectares), Cornalin (2 Hectares), Mayolet (1 Hectare), Petit Rouge, Vien de Nus
- BRANCOS: Prié Blanc de Morgex, Petite Arvine.

VARIEDADES NÃO AUTOCTONES:

- Chardonnay, Muller Thurgau, Gamay, Pinot Noir, Nebbiolo.






Não pensem os enófilos que o Valle d’Aosta seja apenas interessante por sua enologia, a gastronomia é muito variada também e tem aí uma riqueza em queijos e embutidos que espelha muito bem aquela tipicidade de terroir como nos vinhos. 

Uma outra grande atrativas são os castelos e os fortes erguidos pelos antigos Condes Challand, senhores feudais dessa terra na Idade Média, para se defender das contínuas escorrerias dos franceses.
Todos os principais morros desde o Monte Bianco, até chegar próximo da cidade de Ivrea, já fora do Vale, contam com uma torre fortificada erguida em seu topo, todas essas torres ainda estão conservadas e algumas aberta a visitação, o interessante é que foram edificadas em modo de estar em contato visual uma com a outra, isso para poder lançar o alarme, em caso de invasão, através de sinais óticos, assim o alerta viajava para todo o vale a velocidade da luz e permitia aos cidadãos se prepararem.
Em um próximo post trataremos do vinho mais especial, mais típico e realmente único e inimitável de todo o Vale, o Blanc de Morgex et de La Salle.


2 comentários:

  1. Adorei seu post sobre o Valle d'Aosta e sua viticultura. Parabéns!

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  2. Obrigado, eu gosto muito dessa região e dos vinhos de lá, únicos e muito típicos, pena não ser fácil de encontrar no Brasil.
    Obrigado pelo comentário.
    Marco Ferrari

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